É preciso vencer a Resistência

Tiago Bacciotti Moreira
8 min readDec 21, 2020

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A Guerra da Arte

Conheci Steven Pressfield há alguns anos. O americano, autor de vários livros, dentre eles “Portas de Fogo” e “Tempos de Guerra” tinha também como sua obra um livrinho curto categorizado como não-ficção: “A Guerra da Arte: Supere os Bloqueios e Vença Suas Batalhas Interiores de Criatividade”. Esse título que em um primeiro momento pode soar como autoajuda é na verdade um verdadeiro manual contra a procrastinação.

Confesso que quando me deparei pela primeira vez com o livro acreditei que se tratava de uma releitura da “A Arte da Guerra” de Sun Tzu, um clássico de estratégia militar, que conheci ainda no primeiro ano de Administração, devidamente lido e relido algumas vezes.

Na verdade, Pressfield, como bem prefaciado por Robert McKee, escreveu esse livro para mim. E para você. Foi escrito para jogar na sua cara o seu inimigo, te forçar a enfrentá-lo dia após dia. Sabe essa sua (nossa) vontade de, dado um tempo relativamente suficiente, deixar aquela tarefa importante — do trabalho, da escola, da pós, do voluntariado etc. — para fazer depois? É disso que ele trata.

Embora como professor sempre incentive os alunos a escreverem seus trabalhos de conclusão de curso aos poucos, dedicando algumas horas toda semana com o objetivo de não acumular, acabo também adiando a escrita (e pesquisa) necessária daqueles artigos e relatórios da pós-graduação. É como se, mesmo após ficarmos algumas semanas na mais profunda improdutividade, o trabalho magicamente aparecesse pronto e revisado.

Ou então, de modo anedótico, algumas pessoas falam da criação do roteiro do filme Rocky, por Stallone (que teria escrito o roteiro do filme em apenas três dias), eu conseguiria me dedicar quatro ou cinco horas com foco total, níveis altos de produtividade e dedicação em nenhum tipo de interrupção, e entregaria o trabalho bem próximo da perfeição em uma fração do tempo. Dessa maneira posso, claro, navegar de forma despretensiosa na internet por algumas horas.

“Tenho tempo ainda, não preciso correr para fazer”. Mas, o tempo passa. E o que aparentemente seria feito muito rápido parece que precisará de bem mais tempo para ser escrito. Eu uso o exemplo de escrita pois grande parte do meu trabalho requer o editor de textos aberto enquanto eu penso, escrevo, apago, escrevo novamente e reviso. Mas isso se aplica a qualquer tarefa que nos tiraria do dolce far niente. O título do livro faz uso do termo arte no sentido de trabalho criativo. Ou seja, o trabalho que exige que você pense gasta bem mais energia que o simples trabalho mecânico. E se ele gasta mais energia, o inimigo vai tentar te convencer a fazê-lo depois.

Conhecendo o inimigo

O autor dá um nome ao inimigo logo na primeira parte do livro: RESISTÊNCIA. Isso, escrito assim com letras maiúsculas é como eu também me refiro a ele. Para que não menospreze sua força. E me lembre que, mesmo vencendo-o hoje, amanhã ele volta. E precisarei travar uma nova batalha.

Pressfield, dentre os vários trechos memoráveis deixados em sua obra (que leio pelo menos duas vezes ao ano) afirma que “A maioria de nós possui duas vidas. A vida que vivemos e a vida não-vivida que existe dentro de nós. Entre as duas, encontra-se a Resistência”. Sim, a Resistência é essa força que nos compele a não fazer, a não criar, a não entregar e a procrastinar. É ainda, segundo o autor, fonte de infelicidade e é o mal que impede o homem de atingir seu propósito e plenitude.

É essa sua descrição detalhada da Resistência que nos joga na cara o que precisamos enfrentar. A procrastinação é nossa inimiga. É a tendência de adiar a realização de uma tarefa, a optar pela gratificação imediata (e não futura) que devemos lutar todos os dias. E se fraquejarmos, a Resistência vence.

Um dos pontos interessantes do livro é a forma de escrever poética e com pitadas de estoicismo que demonstra o que talvez já saibamos: essa Resistência é nosso inimigo interno e tem como objetivo nos distrair e nos impedir de realizar o que precisa ser feito.

Sabe quando temos uma ideia e queremos colocar aquela ideia em prática e passamos dias planejando, escrevendo, delineando os passos e quando precisamos de forma efetiva começar a trabalhar, executar a tarefa, acabamos adiando por algum motivo? Sim, sim. Aquela sua vontade de lavar a louça, limpar a casa, passear com o cachorro, arrumar o guarda-roupa ou qualquer outra coisa que te exigiria pouco intelecto, mas que, por algum motivo, você precisa fazer tudo aquilo ANTES de começar a efetivamente fazer suas tarefas!

A história se repete em milhares de casas: É preciso entregar um trabalho na segunda-feira e quando você chega em casa na sexta-feira você está pensando nisso. O sábado chega e você deixa para tarde. A noite chega e você nem começou. Chega o domingo, precisa descansar primeiro ou assistir algo. Domingo 20:30 você enfim começa a trabalhar, corre e tenta terminar. Teria sido mais fácil ter feito aos poucos, se organizando para concluir sem pressa e ter tempo para reler e revisar antes do prazo final. Na prática, infelizmente, se você tem 30 dias para entregar algo pronto você começa a efetivamente fazer quando está muito próximo da data final, talvez contando já com uma prorrogação.

Já faz um tempo que pensei em escrever esse texto, comentando um pouco sobre o livro. É, a Resistência me venceu várias vezes. Amanhã ela estará aqui novamente e terei que enfrentá-la de novo. Mas hoje não. Hoje eu venci, saí vitorioso e estou aqui escrevendo.

A Guerra da Arte, quando você termina de ler, parece que te mostrou algo que você já sabe, já conhece. Ah, como é bom falar “Eu sei disso, sempre soube. É que procrastino mesmo.” quando termina a última página. Dá uma sensação de superioridade, de ter a certeza, a convicção (quase uma alegria) de que sabe que procrastina, mas “um dia” conseguirá realizar tudo a que se propôs. Pois é, mas não é bem assim que as coisas funcionam.

Você pode escolher a melhor técnica para administrar seu tempo. Passar alguns dias escolhendo o melhor aplicativo gerenciador de coisas a fazer. Depois pode organizar as pastas do seu computador e guardar aqueles artigos que precisa ler como fonte de seu trabalho de graduação. Quando terminar de fazer isso, pode preparar o arquivo de modelo na formatação que precisa, seguindo as normas ABNT. Quando terminar você ainda pode mandar mensagem para um ou dois colegas perguntando como está indo o trabalho deles. E quase que torcendo para eles também estejam apurados com o prazo, afinal vocês precisam estar no mesmo nível. E mais uma série de outras coisas “importantes” aparecerão e você irá fazer. Somente para se enganar e evitar de fazer o seu trabalho.

É preciso todos os dias vencer a Resistência, mesmo sabendo que amanhã ela estará de volta.

É preciso ser profissional

Para alguns você precisa se sentir motivado para que consiga se dedicar e trabalhar no que precisa ser feito. Para Pressfield, não. O que você precisa é ser profissional. O profissional é muito diferente do amador. O profissional sabe que precisa trabalhar. O profissional tem um horário para começar e para terminar o seu trabalho. O profissional não se importa com o resultado no momento que está trabalhando. Ele não se importa se vai ganhar dinheiro, fama ou reconhecimento pelo trabalho. O profissional, nas horas que se propôs a trabalhar, trabalha. O que ele quer no momento, é realizar a tarefa. Se estivesse trabalhando para outra pessoa você seria obrigado a ser profissional com a pena de ser demitido caso não fosse. Então, por que ao precisar se dedicar em uma tarefa alinhada com um propósito maior você age como um amador?

O profissional aparece todos os dias para trabalhar e tem o compromisso com o objetivo final do trabalho a ser entregue. O foco é na prática diária, no fazer todos os dias. No trabalho contínuo. O autor, com relação à isso, é enfático: “O profissional concentra-se no trabalho e permite que as recompensas venham ou não, como quiserem”

É possível que você tenha lido até aqui e concordado comigo (e com Pressfield) que a Resistência é real e precisamos combatê-la. Talvez até mesmo você sinta-se tentado a ler o livro como forma de entender melhor a Resistência e te aconselho a realmente fazer isso. Porém, o mais importante é que, uma vez que tenha conhecido essa deficiência, você seja capaz de superá-la e vencê-la. O título do meu livro, Consistência, que também é título de um dos textos que o compõe, fala justamente sobre o trabalho consistente, diário, habitual e com um objetivo maior definido. Em um podcast que ouvi recentemente, o escritor brasileiro Marcelo Del Debbio disse uma frase interessante: “Não existe atalho para o que vale a pena”.

É isso, mesmo que a mídia, entre outros, tentem te vender o caminho fácil para o sucesso (de qualquer tipo), a verdade é que leva tempo. Mas não tempo inútil, tempo efetivamente empregado. Gosto de usar o exemplo sempre da programação, disciplina que muitas vezes desafia alunos dos cursos de Sistemas de Informação. É somente depois de centenas de horas programando, milhares de erros encontrados em código, tentativas e mais tentativas em solucionar determinado problema que efetivamente você se torna um programador melhor.

Eu acredito em intuição. Ainda mais quando ela aparece depois que você já vivenciou e experimentou determinada situação diversas outras vezes e quase que adivinha onde está o problema. É o que o dono de uma empresa espera obter quando contrata uma consultoria em determinada área, por exemplo. Que esses profissionais contratados tenham essa intuição apurada e o ajudem a resolver o problema.

Não tem outro jeito. É preciso adiar a gratificação. E em um mundo onde nossa mente é moldada pelos aplicativos a obter gratificação imediata com likes e compartilhamentos, onde se busca a fama quase instantânea com conteúdo efêmero, somos, por vezes, levados a acreditar que é possível usar atalhos e conquistar alguma coisa sem o devido esforço e dedicação.

Eu sou professor. Busco ensinar com prática e volume de exercícios. Em uma das disciplinas que ministrei esse ano, por exemplo, os alunos tiveram que fazer mais de 400 exercícios de Banco de Dados divididos em nove listas. Se você se dispõe a aprender algo novo, isso leva tempo, envolve prática e muitas e muitas horas de estudo e dedicação. Sem atalhos.

Mas, para se dedicar todos os dias por um tempo, para se realizar um curso e aprender qualquer coisa nova é preciso vencer a Resistência. A Resistência é traiçoeira, te oferecerá o mais fácil. A Resistência é persistente, te tentará com algo que vai te dar prazer imediato. Agora você conhece a Resistência. Sabe que ela é real e todo dia vai trabalhar contra você, impedindo de concluir a leitura do livro, de estudar para aquele teste ou de praticar sua atividade física. Qualquer coisa que você se proponha a fazer que irá te tornar uma pessoa melhor, ou que seja um processo de construção de alguma coisa você vai encontrar a Resistência.

Devemos, assim, buscar esse profissionalismo proposto por Pressfield. Devemos ser capazes de fazer o nosso trabalho porque precisamos fazer nosso trabalho. E isso, todos os dias. Um profissional pode ouvir críticas a seu trabalho, mas não dá atenção a elas. Um profissional está atento ao trabalho e às suas exigências. Se eu conheço o meu inimigo, e sei que ele é implacável, me proponho a ser ainda mais determinado e mais forte. Eu vou vencê-lo em seu próprio terreno.

Amanhã quando eu me sentar ao computador e precisar continuar meu trabalho, escrever meu livro, meus artigos ou trabalhar na minha tese eu sei que a Resistência estará me esperando, descansada, pronta para outra batalha. Mas amanhã eu me preocuparei com o amanhã. Hoje eu venci a Resistência.

Originally published at https://bacciotti.substack.com.

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